Nos textos anteriores, eu comecei a tratar de alguns assuntos/ temas que pudessem a facilitar os novos jogadores a compreender o universo dos jogos de RPG de mesa. Dando continuidade a essa tentativa de apresentação deste jogo, irei abordar neste texto formas ou estilos de narrativa que todo rpgista mais hora, menos hora, vai acabar encontrando. Espero que este texto favoreça também que mestres iniciantes consigam ter uma introdução a formas de estruturar suas campanhas/ aventuras de RPG.
Old School Renaissance, Old School Revival ou OSR.
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O OSR surgiu após alguns jogadores de D&D estranharem os rumos que as regras e os cenários do jogo passaram a tomar após a aquisição desta marca pela Wizards of the Coast. Posteriormente, o falecimento de um dos responsáveis pela criação das regras da primeira edição de D&D, Gary Gygas, em 2008 provocou um clima de nostalgia entre alguns jogadores, enquanto outros buscaram conhecer as primeiras edições de regras do jogo Dungeons and Dragons.
Desta forma, jogadores novos e antigos, passaram a debater em fóruns na internet e a consultar livros antigos em PDF para trazer toda a psicodelia e maluquices que estiveram presentes nos jogos de RPG editados na década de 1970. Romances, ilustrações, músicas e antigas técnicas teatrais passaram a ser revisitadas com o intuito de reencontrar de alguma forma o clima que existia nesses jogos.
Quando falo de música, me refiro àquelas bandas hippies tais como Led Zepellin e Uriah Heep que se inspiraram na trilogia “Senhor dos Anéis” para compor parte de suas músicas. Acredito que seja importante lembrar que o movimento hippie estadunidense se apropriou da obra de Tolkien associando-a com a psicodelia de suas músicas lisérgicas. (nota: posso estar enganado, mas Tolkien não gostava dos hippies e ainda vida teve lidar com publicações piratas de sua obra pelos adeptos da contracultura)
O resultado dessa nostalgia foi o lançamento de títulos de RPG tais como o “Old Dragon”, “Forbidden Lands”, o "Old-School Essentials" e o “Dungeon Crawl Classics”. Em termos narrativos, esses jogos apresentam a possibilidade de se criar coletivamente as histórias e cenários que não necessariamente possuem cânone extenso como os cenários de D&D, o que favorece a criação caseira de campanhas e o clima de mistério e de perigo constante para os jogadores.
A animação “Caverna do Dragão” seria um ótimo exemplo do tipo de aventura os adeptos do OSR costumam criar, ou seja, a exploração de regiões inabitadas, exploração de ruínas de antigas civilizações, magia estranha, cultistas malucos e entidades de outros planos são temas explorados por este tipo de narrativa.
Não necessariamente esse estilo de jogo apresenta aos jogadores um cenário de alta fantasia em que tudo, ou quase tudo, é mágico. O mais provável é que haja um clima de mistério em torno dos magos e de itens poderosos.
No cenário Lankhmar (mundo de fantasia medieval baseado nos livros de Fritz Leiber e que pode ser jogado nos sistemas Savage Wolrds ou Dungeon Crawl Classics) a magia sempre está envolvida com efeitos estranhos e consequências malucas para os magos, tai como deformações corporais como garras e tentáculos ou como uma aura estranha em torno do personagem arcano.
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No mundo do jogo Forbidden Lands, os magos são vistos com desconfiança já que um deles abriu um portal para os planos inferiores liberando uma grande quantidade de demônios e diabos no mundo material. Nesse cenário até a magia utilizada pelos clérigos é estranha, mesmo porque as religiões são bem confusas e não necessariamente ordeiras.
Por fim, caso eu possa citar mais um exemplo de D&D sobre como a magia funciona de maneira maluca e caótica em cenários old school basta observar dois personagens que passaram a ter uma certa importância no cânone atual: tanto Mordenkainen, quanto a Tasha, possuem um grande interesse em magias extraplanares, demonologia e no caso da Tasha não podemos deixar de citar o relacionamento amoroso tumultuado que ela já teve com o lord demoníaco Graz'zt.
Comercialmente, este tipo de cenário para o RPG Dungeons & Dragons existiu até o chamado “Satanic panic” ocorrer. Devido à existência de uma grande quantidade de demônios e personagens que interagiam com eles (lembra da Tasha?) os indivíduos mais conservadores dos EUA começaram a fazer uma forte campanha contra o jogo. Algo semelhante ocorreu no Brasil no final da década de 1990, inclusive o “Satanic panic” brasileiro foi capitaneado por pastores evangélicos que capitalizaram a campanha para se promoverem como candidatos políticos.
Hexcrawl / Dungeoncrawl
A exploração nem sempre é utilizada como o ponto alto das narrativas de alguns jogos de RPG, principalmente nos jogos de Terror tais como o universo fantástico do tio Lulu e o Mundo das Trevas. Contudo, se você gosta de jogos de fantasia ou de cyberpunk, muito provavelmente já jogou algo parecido com o Hex ou o Dungeoncrawl. E o que diabos seria isso?
“Em uma versão da cidade do México futurista, um grupo de desajustados foi contratado por um figurão engravatado para invadir o prédio de uma megacorporação para extrair informações sobre uma pesquisa com Inteligências Artificiais capazes de invadir a mente de pessoas enquanto elas estão conectadas na Internet. Para entrar no prédio em forma de pirâmide Azteca, o grupo decide procurar um ponto de acesso para que o hacker consiga desabilitar algumas câmeras e liberar a entrada por alguma porta que não seja a entrada principal do prédio.”
Pronto, o grupo de aventureiros precisam vasculhar uma área específica do mapa daquilo que seria essa cidade fictícia para conseguir acesso ao prédio a ser invadido. Isso seria o que alguns rpgistas camam de hexcrawl. A cena toda se desenvolve em uma área específica de um mapa que muito provavelmente é delimitada por um hexágono e possuí como premissa que os jogadores vão vasculhar tudo o que puderem para encontrar seu objetivo.
Lembra do “Senhor dos Anéis”? Lembra que em diversos momentos a comitiva de heróis vasculha um ambiente selvagem para encontrar um caminho seguro até Mordor, inclusive identificando pontos seguros para montar acampamentos e reunindo recursos para seguir viagem? Isso também seria uma aventura baseada em hexcrawl.
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Pode parecer besteira, mas proporcionar que o grupo de jogadores explorem ambientes abertos e talvez desconhecidos pode proporcionar uma oportunidade para o grupo conhecer melhor o mundo fictício onde estão.
“Enquanto o grupo busca um local seguro para hackear a segurança do prédio corporativo, os personagens caminham entre uma grande quantidade de restaurantes e seus neons chamativos, tropeçam em diversos moradores de rua e indivíduos que estejam com a consciência alterada devido ao uso daqueles chips malucos que propiciam toda sorte de emoções e experiências psicodélicas. A sujeira da rua contrasta com a opulência da pirâmide. O grupo nota que a grande quantidade de luzes neon e fogueiras não propicia um ambiente para se esconder em algum canto e tentar invadir os sistemas de segurança. Um dos jogadores propõe, então, tentar entrar em contato com um hacker conhecido para tentar encontrar algum bar capaz de fornecer um espaço privativo para o hacker trabalhar enquanto o restante do grupo bebe algo e se prepara ao que está por vir...”
Este tipo de aventura proporciona ótimas situações de encontros. E para encontro não necessariamente digo combate. “E se o grupo de aventureiros tentar conversar com uma das pessoas que estão na rua para buscar informações? E se eles precisarem encontrar algum item que seja útil para a incursão e para tal objetivo, seja necessário encontrar algum npc que específico que esteja circulando pela área?” O rpg “Goddes save the Queen” traz diversas possibilidades de encontros sociais que podem ser tratadas como algo tão dramático como um combate acirrado.
“Perfeito, o grupo invadiu o sistema, conseguiu o acesso e já está dentro do prédio da corporação”. Parabéns, vocês entraram em uma “dungeon” e estão prestes a começar o dungeoncrawl, ou seja, vasculhar tudo o que for possível, atacar tudo o que se move, carregar tudo o que tiver valor e de preferência sair com todos os membros do grupo vivos.
Dungeoncrawl é o bom e velho tema das primeiras aventuras de D&D. Os jogadores entram em alguma estrutura artificial ou natural, tem de vasculhar todo o espaço atrás de um item ou algo que lhes possibilite lutar contra o grande vilão da campanha.
Aqui as miniaturas e o combate tático brilham. É bastante comum que o mestre deixe inimigos em diversas salas, e armadilhas espalhadas pela estrutura. O RPG “Dungeon World” nos lembrou muito bem que os inimigos não deveriam ficar presos a algumas salas, eles circulam, caçam, tem seus ninhos, em alguns casos cuidam de seus tesouros e principalmente possuem motivações.
“Enquanto vasculha um dos computadores da empresa que o grupo acabou de invadir, o hacker descobre que há mais alguém invadindo os sistemas daquele prédio. Será que há mais alguém querendo extrair as mesmas coisas e informações que o grupo de jogadores? Qual a chance desse outro grupo de invasores acionar alguma coisa que não deveria e botar a segurança do prédio para buscar pessoas indesejadas no perímetro?”
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Temos de considerar que às vezes o uso de miniaturas e do combate tático pode tornar o jogo travado e um pouco monótono para alguns jogadores. Uma alternativa seria o uso da imaginação no lugar das miniaturas e de descrições com estilo cinematográfico das ações dos jogadores e dos npc’s.
O uso do chamado “Teatro da mente”, que nada mais é que o uso da imaginação no lugar nas miniaturas, pode ser muito frutífero, já que permite e incentiva que os jogadores descrevam o máximo possível detalhes de suas ações, e não apenas movam uma miniatura no tabuleiro e diga que vai atacar algo ou alguém.
“Após a descoberta da companhia indesejada pelo hacker, um programa de defesa foi acionado pelo sistema e começou a correr atrás dos invasores. Ao mesmo tempo, o hacker ouviu tiros na sala em que se encontra. Enquanto o hacker precisa se virar com o sistema de segurança, o restante dos aventureiros foram surpreendidos por um brutamontes portando uma armadura de um policlube constantemente associado a um grupo supremacista branco.
Será que o grupo dará conta de segurar o brutamontes enquanto o hacker despluga do sistema com segurança? Será que se esconder atrás de mesas e colunas deixando o hacker exposto não irá piorar a situação? Um dos jogadores sugere que os demais lhe deem cobertura enquanto avança sobre o brutamontes neonazi com o intuito de imobilizá-lo e talvez conseguir informações sobre o motivo de ele estar ali. Ele estaria atuando como segurança? O brutamontes seria um integrante do outro grupo que está invadindo o edifício?”
Considerações finais
Como demonstrei neste texto ambos os estilos de aventura podem coexistir, ninguém é obrigado a optar apenas por um deles. Basta lembrar que em “Senhor dos Anéis”, além de investigar os ambientes desconhecidos os personagens entram em minas abandonadas, florestas estranhas e complexos de cavernas para prosseguir com sua jornada, unindo tanto o hex, quanto o dungeoncrawl.
Em ambos os casos, a Comitiva do Anel precisou explorar locais desconhecidos, conseguir recursos e encontrar o caminho para conseguir atingir o seu objetivo. Explorar este tipo de narrativa pode possibilitar ao grupo de jogadores conhecer mais detalhes sobre o mundo fictício que estão explorando, principalmente caso o mestre se encarregue de descrever esses detalhes aos jogadores.
Por fim, caso este tipo de narrativa esteja entediando os jogadores, retornar às origens e buscar algo mais oldschool e trazer toda aquela maluquice e descontração presente nas primeiras edições dos rpg's para a mesa de jogo. Lembre-se até mesmo as primeiras edições de jogos cyberpunk tinham uma pitada de deboche e ironia no trato de situações de nosso cotidiano e nas críticas sociais. Fazer uso de um estilo narrativo pode ser mais simples do que parece.
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Mestres/Narradores!
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